Chegada
Primeiros dias de Setembro de 1990: Uns quilómetros depois de Vilar Formoso parámos o carro. Avisamos uns blocos de granito. Lá fizemos o nosso piquenique: uns tomates bem vermelhos salpicados de pimenta. Portugal ainda hoje tem esse sabor: algo fresco, simples e bom. Algo colorido. A seguir, descemos o mapa todo até Lisboa com uma paragem em Coimbra numa pensão cuja ligação ao presente limitava-se ao ruído das molas da cama. O resto era definitivamente preso num tempo indefinido que desapareceu definitivamente quando arranquei o carro para a recta final da estrada. Vruuuum!
Poesia pura
Se não tinha visto a Flor do mar de João César Monteiro, se não tinha lido “Mensagens” de Fernando Pessoa, se não tinha avistado essa fotografia da Agnês Varda (uma jovem descalçada numa rua de Figueira da Foz), não sei se teria ido para Portugal, não sei se teria voltado para Portugal e voltado mais uma vês. Grécia estava na minha lista. Se não tinha tido a sorte de encontrar umas pessoas maravilhosas que se tornaram tão decisivo para a banda desenhada e a ilustração em Portugal, não sei se teria ficado. Todos eles foram as minhas amigos, os meu amigos. Alguns deram-me trabalho, outros, malandros, ofereceram-me copos. Um deles deu-me os dois na mesma quantidade. Aqui fica a minha gratidão para eles todos. E por causa daquele malandro; ainda bebo trabalhando. Bolas!
Lisboa é dos meus filhos
Portugal ainda tem umas maternidades. Um filho meu nasceu em Lisboa. O nosso primeiro encontro aconteceu a frente das portas do elevador da cave da maternidade onde ele nasceu. Foi perto do talho onde tinha acontecido a cesariana que nos encontramos pela primeira vês. Uma mulher saiu da loja e passou a minha frente com uma carrinha onde estava um bebezinho com cara de tartaruga, bem velinha! Soube logo que era o meu filho. Nos, Célticos, nascemos velhos. Temos rugas na cara que dizem muito da nossa viagem no Além. É por isso que as nossas avós chamam-nos de “Khoz”; o velho. O gajo teve uma longa caminhada para chegar até Portugal. Naquele momento era sábio e se perdeu uma sabedoria é para recuperar outra de certeza.
Porto de partida.
Quando cheguei em Lisboa, apeteceu-me fumar. E fumei. Enrolados por tradição familiar e cigarrilhas de preferência. Foram dezenas de fumos azulados que acompanharam os navios que passavam a frente da Parede fazendo bonecos no ar. Com eles, viajava no longínquo. Uma coisa de menino até eu ter conseguido viajar por esse longínquo. Portugal é também isso: uma porta para entrar noutros espaços. A “Lusofonia” em primeiro lugar. A seguir, mais lugares, todos eles extraordinários. A língua portuguesa deu-me asas. E mudou a natureza dos meus sonhos.
O quê? Não falei de copos? Quando cheguei em Portugal, não precisei treinar...já era viciado. Aproveitei simplesmente da boleia porque o vinho português é do melhor! Ainda mais quando partilhado.
Lisboa é Africana
Portugal é Tuga, Lisboa é que não. Nunca consegui namorar com a Margarida, louca por Bulimundo e Simintera, e a vendedora de cuecas da rua São Lazaro. Pois ela já tinha dois namorados; um vindo da Quinta do mocho, o outra da Damaia, mas éramos amigos, ainda somos. Tal como eu, mas por razões diversas, pois os seus clientes estavam espelhados por todo lado, ela tinha umas boas noções de Lisboa, cidade preta. Do meu lado, foi com uma moça das Ilhas Maravilhosas que conheci melhor os pavões do parque do Museu da Cidade, que vi uns filmes de acções em Alvalade e que perdi-me a noite na cidade toda. O território era nosso. Naquela altura, nas ondas o Gil Semedo batia certo e não sabia ainda que mais tarde ia gostar tanto do Abílio Mandlaze, do Avelino Mondlane, do Eugénio Mucavel e da Fanny Mpfumu. Pois RDP África sabe bem as orelhas mas o melhor é andar mesmo nessas terras quentes onde também se fala português.
Partida
“Senhor Ministro, Vossa Excelência, bem sei que muitos dos vossos compadres, mais uma vez, recomeçaram a imigrar. Faz favor não olhar para mim com olhos tortos que não tenho nada a ver com o assunto. Encontrei alguns deles em Maputo a procura dum ganha-pão. Bem simpáticos devo dizer. Reconheço não ter os devidos documentos para ser considerado filho da Nação, mas enfim, Senhor Ministro, vejamos a situação: Um filho meu nasceu no Restelo, uma filha minha ainda parte braços num curso de Kung-Fu algures na Grande Lisboa, e tenho bons amigos que ainda bebem e rezam por mim na língua de Camões e dos Mendes. Fui-me embora três vezes para viver noutro lugar. Sempre voltei. Posso voltar ainda. Aliás, voltarei. Nunca torci pela Aguiã, nem para o Leão ou o Dragão, mas sou amador de pão, bons queijos e vinhos. Se precisam dum artista ou dum bretão, faz favor dizer, cá estou eu. Um abração do fofo que eu sou”.
Pronto, acho que oves já tem tudo. Obrigado pelo convite. Espero que o livro terá sucesso.
Da minha parte, vou continuar a desenhar sobre o tema. Desencadeou um desejo de fazer mais. não sei se irei fazer BD, mas escrever e desenhar, isso sim. O melhor seria partilhar esse projecto a medida que avançara contigo para ver o que tu achas.
Capa do Lars Henkel
Experiências de quem estudou ou trabalhou em Lisboa.
1 Capital europeia / 12 autores estrangeiros / 9 países / 3 continentes.
Livro publicado pela malta de Chili Com Carne, CCC.
Thanks Marcos!
no no, thank you YOU Corbel!
RépondreSupprimer:)
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